“Corpas, Outras”

e-book as7bonecas (edição 2024)

Texto vencedor:

“Açucenas” de Paula Groff

Workshop com Helena Ales Pereira:

“Corpas, Copos e Compas” de Mean é.t

Textos incluídos no e-book:

“Insónia” de Laura Falésia

“Corpo d’água” de Inês Silva

“A ditadura do estar” de Bê Duarte

“O rouxinol” de Juliana Garbayo

ILUSTRAÇÃO DA CAPA POR BÁRBARA SERENO
Deitei fogo ao velho espantalho a que os fracos chamam «convenção» (…) e à chama desse estranho incêndio, ergui então bem alto esses novos motivos de beleza (…)
— “De Mim”, Judith Teixeira, 1926

JUDITH TEIXEIRA é a homenageada desta edição

Judith Teixeira (1880-1959), poeta do círculo futurista português é, no início dos anos 20, quando a ditadura se começa a instalar, o primeiro caso de uma mulher que é banida da nova ordem social, burguesa e puritana (Almeida 2010, 56), ao ver o seu livro “Decadência” (1923) ser queimado por ordem do Governo Civil de Lisboa. Outros poetas são implicados nessa demonstração de força e censura, conhecida por «poetas de Sodoma», mas é Judith, a única mulher do grupo, que é «completamente apagada da história» (ibidem), embora não imediatamente.

No mesmo ano em que faz a apologia da sua vida e obra na conferência «De mim» (1926), Marcello Caetano apelida-a de «desavergonhada» (Lusa 2015), e, no ano seguinte, é publicado o seu único livro de contos «Satânia» (1927), a que não chegará a fazer correções por alegada ausência do país (Barbosa 2014, 9). Depois disso não se sabe mais nada dela, Judith Teixeira desaparece da vida cultural e social portuguesa.

Segundo a jornalista e investigadora São José Almeida, Judith foi alvo de dois aspetos fatais, e invisibilizadores, da ideologia patriarcal: a dominação masculina e a heteronormatividade (Almeida 2010, 57), já que se trata de uma autora, uma mulher, que incorpora e se atreve a explorar um grande e proibido tema, ou simplesmente ignorado e desvalorizado, o lesbianismo, e o seu tratamento enquanto tema literário.

Ainda que queiramos prescindir da metalinguagem poética e queiramos premiar textos em prosa, porque os textos em prosa têm ser claros e chamar os bois pelos nomes (Horta 2019), o espírito da poeta futurista Judith Teixeira está vivo neste projeto, e é ela a homenageada desta edição.

Referências:

Barbosa, Sara. 2014. “Quem tramou Judith Teixeira (Uma História com Fantasmas)”. estrema: revista interdisciplinar de humanidades 4, 1-16, https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/43979/1/Quem_tramou_Judith_Teixeira._Uma_histori.pdf 

Almeida, São José. 2010. “Ainda, apenas fantasmas”. LES Online, 2:2, 52-59. https://lesonlinesite.files.wordpress.com/2017/03/apenas-fantasmas.pdf 

Horta, Bruno. 2019. “Eduardo Pitta: Uma figura pública não tem a liberdade de não divulgar a orientação sexual”, https://personagratablog.wordpress.com/2019/10/13/eduardo-pitta-uma-figura-publica-nao-tem-a-liberdade-de-nao-divulgar-a-orientacao-sexual/

Lusa. 2015. “Obra da escritora esquecida do modernismo Judith Teixeira chega hoje às livrarias” https://www.rtp.pt/noticias/cultura/obra-da-escritora-esquecida-do-modernismo-judith-teixeira-chega-hoje-as-livrarias_n814673

CLAUDE CAHUN POR TAMARA ALVES, 2022

ESTADO DA ARTE

Se estórias que explorem o desejo feminino, escritas a partir do ponto de vista de uma mulher, são raras na nossa cultura; estórias à volta do desejo entre mulheres, escritas a partir do olhar feminino, são imperceptíveis em Portugal. 

Não é que não existam, antes que não estão visíveis, talvez porque não haja editoras, nem comerciais nem independentes, nem publicações, nem concursos literários, maioritariamente promovidos por grandes livreiros ou por instituições, que as considerem viáveis.

Assim, colocamo-nos numa posição de questionamento em relação às predileções mercantis: que tipo de estórias é que são reconhecidas, premiadas, publicadas, por que tipo de autores e para servir que ideias - enquanto assumimos uma posição de empoderamento e representatividade perante este universo outro.

Queremos ler estórias sobre relações entre mulheres com os seus vários desfechos possíveis, tantos quanto a variabilidade das vidas, queremos ler os textos, abstratos, surreais, expressionistas, que falam do caleidoscópio e da vertigem, da complexidade e da subtileza, da atração entre mulheres a operar num contexto não só heteronormativo como também androcêntrico.

As estórias refletem e criam cultura, são reflexo do poder e têm um poder desmesurado para criar mudança, com esta convocatória queremos que estas estórias, que têm ficado historicamente à margem, avancem agora para o centro.